Review: A Vigilante do Amanhã (2017)
Por Fernando Booyou A concha perfeita para um fantasma ausente. “O fantasma na concha”. A concha como representação do externo, da parte do nosso corpo que é material, palpável, tangível. […]
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Por Fernando Booyou A concha perfeita para um fantasma ausente. “O fantasma na concha”. A concha como representação do externo, da parte do nosso corpo que é material, palpável, tangível. […]
Por Fernando Booyou
A concha perfeita para um fantasma ausente.
“O fantasma na concha”. A concha como representação do externo, da parte do nosso corpo que é material, palpável, tangível. O que pode ser visto e tocado (e, diversas vezes, trocado), seja carne-osso, materiais bio-sintéticos ou próteses mecânicas. Já o fantasma é o interno, a consciência, a parte que nos define em nossas singularidades, a alma, aquilo que nos torna humanos. Entender este conceito é importante para compreender a essência do contexto do filme. Em 1995, nascia Ghost In The Shell (em tradução literal: Fantasma na Concha), longa animação inspirado em mangá homônimo de Masamune Shirow, com uma carga filosófica trazida pelo diretor Mamoru Oshii. Animação que, além de influenciar gerações de nerds entusiastas, serviu como uma das fontes assumidas para a concepção de Matrix de 1999. Hoje, chega aos cinemas A Vigilante do Amanhã, filme com mesmo nome dos originais em inglês, mas com a alma de suas cópias. Priorizando a concha, não o fantasma.
No filme live-action de 2017, na preocupação clara de agradar aos fãs, temos a concha dos seus antecessores. A estética está presente, que equilibra entre ser vintage e futurista cyber-punk, trazendo referência até de outras obras, como Akira (1988) de Katsuhiro Otomo (em algumas cenas dá para imaginar como se fosse). Enquadramentos que lembram a fonte com suas cores, luzes, recursos tecnológicos, adereços são perfeitamente ilustrados. Personagens que aparecem ao longo da série também. Inimigos são os mesmos, com uma ou outra adaptação ou infeliz distorção. A trilha sonora, mesmo não sendo o clássico digno de um espetáculo Butô ou Kabuki como o original, tem uma levada anos 80 e, ao mesmo tempo, moderna, que acaba por ser uma bela homenagem a trilha criada por Kenji Kawai em 95. Já o enredo, a alma, tem impregnado o formato hollywoodiano de cinema. A diferença entre o atual e a matriz é a Matrix com a saga do Escolhido.
O Vigilante deixa claro desde o início uma visão mais superficial, só a casca, com a obsessão humana em aprimoramento por métodos artificiais, utilizando órgãos e membros sintéticos ou melhorias da mente. Ponto que, inclusive, não é aprofundado e nem desenvolvido, o que poderia ser um diferencial. Uma visão mais simplista das animações, que tem tudo isso combinado com o background que inclui relações comerciais de mega corporações tecnológicas, espionagem industrial e os tramas políticos de um sistema corrupto comandado pelo dinheiro privado. E, claro, a polícia especializada, onde entra a personagem principal. A Major (Scarlett Johansson), uma ciborgue completamente sintética com exceção do cérebro, não tem o peso dos animes. No longa, a personagem é apresentada dentro da previsível jornada da escolhida, limitando a profundidade inteira do Vigilante. A Major é mostrada como única, sobrevivente por ser especial. Ela é uma máquina contra as máquinas, assim como nas cópias cinematográficas que se inspiraram posteriormente. Ao fazer isso, perde-se todo o processo de auto-descobrimento e aprimoramento, o que permitia que acompanhássemos os dilemas existenciais de cada um, por meio de diálogos filosóficos nível hard presentes em quase toda obra do gênero. Questionamentos intrínsecos sobre o que é vida ou limites éticos deixam de existir. Seus companheiros de Seção 9, como Batou ou o Chefe Daisuke Aramaki (que, como homenagem, escalaram Takeshi Kitano), perdem espaço para que a jornada do escolhido possa ser melhor evidenciada. O pretenso vilão, pretenso porque tem suas previsíveis reviravoltas, é uma mistura de Hideo Kuze, da série Stand Alone Complex, com um vislumbre do que poderia ser o Mestre dos Fantoches, que no original é um terrorista/ativista hacker de mentes que, de novo, poderia abrir possíveis debates éticos e do que podemos definir como vida.
A Vigilante do Amanhã é um show de referências, mas sem prestar as devidas reverências ao conjunto Ghost In The Shell. Tem tudo que poderia ter de “fan service”, menos o elementar, o cerne de tudo: os eternos debates existenciais para definir até que ponto deixamos de ser o que somos ou se é possível definir como vida formas diferentes das que conhecemos. A Major, interpretada incoerentemente como se fosse alguém desconfortável e sem familiaridade com o próprio corpo, é apenas mais uma heroína, não por mérito, mas sim por sorte, uma vez que a personagem central originalmente só se torna especial com sua evolução ao longo dos desdobramentos da série, não de uma hora para outra por conta de poucas explicações. Sem suas divagações, sem suas falhas de julgamento inerentes do ser humano, sem seus pontuais vícios para tentar se sentir viva. E com sua busca por sexualidade reduzida a uma cena que se torna desnecessária, porque não evidencia que ali temos alguém que se questiona como ser humano. Enquanto inicialmente temos uma policial em mais um dia de trabalho, aqui ela é retratada como a diferente que deu certo. O famigerado jeito americano de fazer adaptações, mas usando como roupagem tudo que o fã gostaria de ver. Resultando em algo que mais parece uma cópia de suas cópias. Por fora, uma excelente releitura de um clássico. Na essência, mais um filme que você já assistiu, mas com a impagável e maravilhosa estética das obras originais. A Vigilante do Amanhã tem a concha, mas não tem o fantasma de seus antepassados em sua alma.
Nota: 6.5/10
PS1: melhor não assistir todas as animações que teve anteriormente e ir ao cinema de peito aberto.
PS2: 3D é bom, mas não é fundamental. Dá para assistir normal em 2D.